terça-feira, 28 de abril de 2015

O condicionamento do debate acerca das políticas públicas e o desmantelamento do SUS



Desde o início do segundo mandato do Governo Dilma Rousseff, temos acompanhado uma sequência de pautas polêmicas entrarem em votação no congresso nacional. Recapitulando, foi matéria de votação a redução da maioridade penal, o projeto de lei que amplia de maneira irrestrita a terceirização, a renegociação do índice de correção das dívidas estaduais e municipais com a União – que na prática força Dilma reduzir as dívidas dos Estados, gerando menor arrecadação para União e, consequentemente, menor investimento do Governo Federal em serviços essenciais para população. Nesse momento, o que assombra o campo progressista e os profissionais de saúde diz respeito à proposta de emenda constitucional (PEC 451/2014) de autoria do presidente da câmara, sempre ele, Eduardo Cunha PMDB – RJ. A respectiva emenda traz para o cenário social duas questões vitais para manutenção da democracia no Brasil: a primeira concerne ao investimento e financiamento do SUS; a segunda toca o financiamento privado de campanha e o condicionamento do debate acerca das políticas públicas.
A PEC 451/2014 apresenta nas suas entrelinhas um discurso que soa ao cidadão brasileiro como canto da sereia. Dito diretamente, a emenda propõe que toda empresa seja obrigada a pagar planos de saúde privados para seus funcionários.  Seria lindo se a lógica subjacente à PEC não fosse tão perversa. Antes de explicitá-la, é interessante introduzir duas questões para reflexão: Quem perde com a PEC 451/2014? Quem ganha com a PEC 451/2014? Começamos pela segunda: ganham os planos de saúde que terão o quadro de clientes inflado. A rigor, os planos de saúde, como demonstrado e alertado por Passos[1] em artigo publicado na revista Cartamaior, foram responsáveis pela doação de 52 milhões de reais para 131 candidaturas de 23 partidos políticos e, em particular, pela doação de 250.000 mil reais – Bradesco Saúde – á candidatura de Eduardo Cunha autor da proposta de emenda constitucional. Diante desse cenário, cabe retomar a primeira questão para afirmar que quem perde com a PEC são os cidadãos brasileiros uma vez que o Estado é desobrigado a investir no SUS, impedindo atendimento de qualidade para população e fragilizando ainda mais sua política de financiamento cujas estruturas foram profundamente abaladas desde a perda dos 40 bilhões de reais ocasionados pela derrubada da CPMF – ainda no governo Lula 2008.
O que essa lógica de proposição de emenda constitucional apresentada por Cunha esconde são os fundamentos que regulam o funcionamento do congresso nacional e as variáveis que pautam e condicionam o debate acerca das políticas públicas no país. De maneira mais específica, a grande maioria dos políticos tem campanhas financiadas por empresas privadas. Ora, não há doação privada de recursos desinteressada. Após eleito, chegam a fatura e as exigências aos políticos por parte dos financiadores. Esse é apenas um dos aspectos da estrutura de corrupção no Brasil. Nessa lógica, nos interessa enfatizar o quanto que o financiamento privado pauta e orienta os debates acerca das políticas públicas no país. No caso de Eduardo Cunha o exemplo é claro, teve a campanha financiada pelo Bradesco Saúde e tem desde então encabeçado o movimento em favor do desmantelamento do SUS. Lógica nociva que prioriza o interesse privado em detrimento do púbico.
Por fim, cabe destacar que toda essa problemática salienta uma vez mais a importância de se debater e defender uma urgente reforma política. A proibição do financiamento privado de campanha e, em contrapartida, a revindicação em favor do financiamento público são bandeiras das quais os profissionais de saúde não podem se furtar. Essa clareza e disposição para travar o debate nos diferentes espaços que cada um ocupa fornece o melhor antídoto contra todo um discurso que vem se desenvolvendo no Brasil e que ameaça conquistas e direitos históricos. Se consolidar os avanços sociais dos últimos anos tem sido um desafio cotidiano do povo brasileiro, é certo também que retroceder não deve fazer parte dos planos, jamais. Em meio a esse cenário de interesses antagônicos, a democracia precisa ser defendida em vista da radicalização e manutenção dos direitos.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Nos bastidores do planalto Kassab: cafetão ou maestro da política?

Em Março de 2011, Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo (2006) e atual Ministro das cidades do governo Dilma sacudiu os bastidores da política ao criar o PSD (Partido Social Democrático) e minguar as bases do DEM (Democratas) – políticos dissidentes desse último encontraram no PSD seu mais novo abrigo político. Do ponto de vista ideológico, ou seja, das ideias e valores que fundamentam o partido, o PSD foi definido por Kassab “como um partido que não é nem de esquerda nem de direita”. Trata-se, portanto, de um partido coringa que joga e assume valor ao sabor das circunstâncias. Coringa ou não, o fato é que a robustez do PSD reservou ao seu líder um lugar de destaque no cenário político brasileiro, consequência direta da sua capacidade de articulação. Consequentemente, Gilberto Kassab foi convertido em forte interlocutor do planalto com o congresso e, além disso, um político habilitado a assumir o todo poderoso ministério das cidades em 2015. Considerando o que foi dito, é importante destacar que mais uma vez a capacidade de articulação política de Kassab se manifesta e assim nos faz ver um filme semelhante ao de 2011: mesmo roteiro, diretor e protagonista. Todavia, as ações de Kassab nos bastidores do planalto não se restringem a sacudir a política, mais do que isso, assombram e causam calafrios na oposição e partidos da base aliada do governo. A razão desse fenômeno é simples: Kassab agora em alto e bom tom articula e professa a ressureição de mais um partido, o finado PL.
Dadas as circunstâncias, Renato Caiado, Deputado Federal, recém-eleito Senador pelo (DEM) de Go é o porta voz de uma oposição temerosa que enxerga em Kassab “o cafetão do planalto”. Dito diretamente, a atitude do ministro que propõe refundar o PL representaria um golpe em vista do enfraquecimento da oposição ao mesmo tempo em que oxigenaria e insuflaria a base aliada do Governo Dilma. De posse do Ministério das Cidades – responsável pelo PAC 3, minha casa minha vida entre outros programas – o ministro tem em mãos a máquina e a chave para cooptar parlamentares e assim viabilizar o ressurgimento do PL. Por essa perspectiva, Kassab, denuncia Caiado, “adota uma postura de cafetão e acha que os deputados são garotas de programa”. Além de Caiado, os primeiros comentários de Eduardo Cunha, Deputado-Federal pelo (PMDB) do RJ e novo presidente da câmara dos deputados indicam a trincheira da resistência ao movimento kassabista. Para Cunha, deve-se buscar a judicialização da refundação do PL. A ideia é clara: barrar a refundação do partido na justiça e evitar o enfraquecimento do PMDB e do DEM.
Nesse contexto, se delineia o horizonte e notas características da maestria de Kassab. A intenção do ministro é refundar o PL e promover a fusão entre esse e o PSD – embora negue em público. Essa equação converteria o PSD na 2º maior bancada do congresso (67 Deputados) ultrapassando o todo poderoso PMDB – sem o qual ninguém governa ou governava o Brasil. O saldo dessa  jogada de mestre seria suficiente para retirar o Governo Dilma das cordas da chantagem política promovida pelos partidos da base e colocar o PMDB em cheque, mate? A ver. Com efeito, Kassab é um personagem que representa um ponto fora da curva no cenário político atual. Não se restringe as relações parasitárias da política; pensa a política, analisa o cenário e move com maestria as peças do tabuleiro. Faz política cotidianamente com base em considerações pragmáticas, ou seja, com base no que funciona e lhe é vantajoso. Executa em última instância uma Realpolitik cuja prática se sobrepõe a ideologia e faz viver Maquiavel.
Posto isso, certamente que devemos respeitar as críticas a Kassab, mas é fato que não podemos reduzi-lo a um cafetão cuja especialidade é aquela de criar partidos políticos e agenciar deputados. Sem dúvida que suas ações nos bastidores do planalto lhe convertem em Maestro da política nacional. Sua capacidade de articulação faz com que uma pequena jogada seja capaz de mudar e muito todo o cenário político. Todo esse poder tira o sono da oposição e partidos de centro que temem ver reduzido seu poder de barganha dado o protagonismo de Kassab enquanto aliado do Governo Dilma e um dos maiores articuladores da política brasileira na atualidade, não é pouco. Implícito nesse debate encontram-se questões relevantes para refletir nosso sistema político. Em especial, a atitude de Kassab revela: a) o fisiologismo partidário que caracteriza uma pratica voltada em todo caso para o interesse privado; b) o modus operandi da velha política que pulveriza e multiplica partidos políticos de acordo as circunstâncias; c) o partido e seus políticos enquanto elementos de barganha de cargos em troca de apoio. Se quisermos reivindicar de fato a reforma política, é importante perceber o que de nocivo a maestria de Kassab revela...Má/estria.