quarta-feira, 10 de julho de 2013

Médicos no SUS, cadê e por quê?

Os médicos saíram às ruas, agora sim é possível entender o que significa um ATO MÉDICO. Sair às ruas, esse é o único ato médico tolerável nesse caldeirão político que vem se transformando o país. Não encontrarmos médicos suficientes atuando no SUS ou no interior do estado, mas sabemos onde estão: nas ruas. E lá estão por razões obvias: amor à causa. Que causa? Armaria, faz vergonha mencionar. Para tentar entender o porquê de essa categoria estar nas ruas, vamos aos f/atos médicos.
Antes de ter início às mobilizações em massa no Brasil, o governo federal acenou com a possibilidade de contratar médicos estrangeiros para atuar em regiões com certa defasagem ou completa ausência dos respectivos profissionais no país. A vinda de médicos estrangeiros cubanos, espanhóis, portugueses ao Brasil injetaria um pouco mais de saúde na saúde, sim, é necessário. Um dia após o anúncio ecoaram vozes dissonantes da proposta saudável do governo nos quatro cantos do país. Quer dizer, ecoaram vozes nos grandes centros urbanos que concentram a quase totalidade dos profissionais de medicina do país. As vozes não ecoaram do interior ou da periferia das grandes cidades porque lá não existem médicos que gritem, mas fazem gritar a população, adivinhem por quê? Vou dar uma pista, tem haver com a qualidade da formação (não é uma regra). Na distribuição geográfica desses profissionais no território nacional, temos um exemplo obvio do que significa a expressão: erro médico. Os médicos estão concentrados nos grandes centros e os salários que variam entre 8.000 e 13.000 mil reais mensais oferecidos em diferentes cidades no interior nos diferentes estados do Brasil não são suficientes para atrair e fixar os pobres médicos nesses municípios – falta de infraestrutura dizem. Infraestrutura para inflar a estrutura econômica privada. O motivo para recusa tem haver com a causa pró vida... do bolso e não com o custo de vida nessas cidades ou falta de estrutura. O dilema “custam vidas” e vindas. 
A vinda dos médicos estrangeiros para o país anunciada pelo governo representa para o Conselho Federal de Medicina (CFM) um verdadeiro atentando a saúde de qualidade oferecida no Brasil. Obviamente que a resistência do CFM não tem qualquer relação com questões ou fatias de mercado. Tem haver sim com a qualidade do serviço prestado a população ameaçada por profissionais “mal formados” made in Portugal, Espanha e Cuba. Para o CFM, a formação nacional é de excelência tanto em qualidade quanto em quantidade de profissionais. O resumo da ópera é: Dilma, o país não necessita importar outros profissionais de formação duvidosa. Para o CFM, esta medida fere a autonomia nacional, desrespeita a legislação que regula o ingresso de médicos no país, coloca em risco a qualidade da assistência oferecida à população e não resolve de forma definitiva o atendimento em saúde das áreas de difícil provimento no interior dos estados e nas periferias dos grandes centros. Se por acaso contratar, tem que passar pelo crivo do REVALIDA, esse é um critério que o CFM não abre mão. 
Convenhamos que o REVALIDA e seu nível de dificuldade profundamente planejada, se aplicado aos estudantes de medicina do Brasil somente atestaria a qualidade duvidosa de grande parte das instituições formadoras do país. O problema da qualidade se aplica aos diferentes cursos de graduação, mas os senhores da saúde lidam com a vida e seus limites como poucas áreas das ciências. Portanto, a preocupação com quem chega para abocanhar fatias no bolo da saúde é legitima. O raciocínio poderia ser aplicado a um engenheiro que por ocasião poderia errar um cálculo estrutural... Prédios, erro de cálculo estrutural e vidas, mas essa não é nossa equação. O fato é que o conselho federal insiste no revalida e na tese de que existem profissionais, o que falta mesmo é condições de trabalho nos locais carentes desses profissionais. Subjaz a esse discurso uma tese pró-privatização da saúde: o problema é do estado, gestor ineficiente. Esse tom é parte do discurso neoliberal que vigora na saúde, daí para pior.
Em contrapartida ao argumento Revalida + Condições de Trabalho e a ameaça de greve geral dos médicos, o governo recuou. A saúde do Brasil ficou refém da medicina. Recuou mas nem tanto e deflagrou um tiro saudável na categoria no melhor estilo ou vai ou racha. O ministério da saúde anunciou a abertura de cerca de 10 mil vagas para médicos em regiões carentes, que vão receber bolsa federal de R$ 10 mil. O governo ainda vai determinar a quantidade exata de vagas. A previsão do Ministério da Saúde é que até 18 de setembro todos os profissionais escolhidos dentro do “Mais Médicos” estejam atuando no país. De acordo com o governo, a prioridade será preencher as vagas do programa com profissionais brasileiros. Os postos de trabalho remanescentes serão completados com estrangeiros. Por outro lado, apertou o cerco a favor de uma matriz curricular tendo em vista qualificação e responsabilidade social – muito bem remunerada. O governo propôs criar um 2º ciclo de graduação. Na prática significa que os cursos de medicina passaram de 6 para 8 anos. 6 anos de graduação mais 2 anos de trabalho na saúde popular no SUS – com valor da remuneração entre 3.000 e 8.000 mil reais, um achado doutores.
Em oposição à proposta do governo o conselho federal de medicina já esperneou: trata-se de um serviço civil obrigatório. Para o governo trata-se simplesmente de uma segunda fase de estudos remuneradas. A coisa é tão bacana que poderia entrar como pauta de revindicação das demais categorias de saúde: bolsa segundo ciclo pró SUS. O fato é que os médicos parecem estar sem saída e o pior, sem apoio da sociedade civil e muito menos das diferentes categorias e sindicatos dos profissionais de saúde. No segundo caso, efeitos do ato médico, consequência dessa tentativa absurda de transformarem-se (os médicos) nos donos do saber/poder e supremos gestores da saúde! Agora que os donos da saúde dispersam sua força política em diferentes frentes, o ato médico se tornou algo secundário e deverá ser vetado pela presidenta Dilma – sob absoluta pressão – ou veta ou vai comprar briga com as demais categorias dos profissionais de saúde. Se pensarmos nas circunstâncias políticas atuais, não é a melhor opção política, tudo isso em nome do pragmatismo político que tem dado a tônica nas medidas do governo. Presidenta, bom senso e prudência, veta Dilma!
Na atual conjuntura política e no puxa estica da correlação de forças, o país e a democracia saem com saldo positivo. As proposições do governo seguem encurralando o conselho federal de medicina e a bancada dos médicos no congresso. Obviamente chegamos em um momento que foi dado um basta ao leilão da saúde posto em marcha pelas entidades que representam os médicos no país. A saúde no e do Brasil, não poderá continuar refém dos médicos. Saúde sequestrada pelos representantes da medicina no congresso e no conselho federal de medicina que fazem da vida objeto de jogatina em um cassino econômico absolutamente perverso. A resistência aos médicos estrangeiros, os interesses privados bem como o interesse em servir a indústria farmacêutica e aos grandes grupos médicos não podem e não devem estar acima da soberania da saúde nacional. Saúde que onera mediante impostos absurdos o trabalhador brasileiro. Trabalhador que em última instância financia a universidade pública e recebe de troco um serviço público de saúde longe do ideal, mas que vem sendo cotidianamente construído e fortalecido por profissionais que entendem o significado do cuidar do outro e da res pública. O discurso do conselho federal de medicina não pode continuar representando um ponto fora da curva enquanto a questão da “cura” da saúde no e do Brasil passar pelos caminhos da construção de um sistema único de saúde pública e de qualidade. Os profissionais estrangeiros e o 2º ciclo de estudos representam duas doses amargas de um remédio que tende a fazer bem a saúde no Brasil, mas que os donos da medicina no país recusam-se a engolir... Esperneiem mas engulam, é para o bem.

Ps: No atual cenário político nacional temos algo muito interessante acontecendo. A esquerda mediante movimentos sociais e sindicatos organizam uma paralisação nacional no próximo dia 11. Não podemos confundir isso com os protestos da copa das confederações. O que antes era difuso e plural – legítimo – acena com a possibilidade real da unidade na pauta e na luta. A esquerda tomou o pincel das mãos da mídia e rabisca algo para fazer avançar a democracia no país. Vem chumbo grosso por aí. O lulismo e seu ciclo de desenvolvimento confronta-se com limites evidentes. Agora é hora de dizer nas ruas por onde vamos. Estarei lá. Estejamos.

Kayk Oliveira

2 comentários:

Unknown disse...

Texto ótimo e com toda a propriedade no assunto. A nova 'decoração' do blog ficou legal!

Anônimo disse...

Muito interessante essa percepção. Gosto muito de ler seu blog, continue alimentando-o.